O tempo gelado me lembrava que o inverno chegaria mais cedo do que o esperado este ano. Eu vestia uma jaqueta para me proteger do frio, mas ela oferecia pouca proteção contra o vento congelante das ruas. Apressei o passo, tentando aquecer o corpo e chegar o mais rápido possível a algum local fechado onde pudesse me abrigar. Felizmente, não demorou muito até que eu encontrasse o que procurava: um prédio antigo, bem conservado, com a inscrição “Casa de Órfãos” na fachada.
A entrada para o edifício era por meio de um pequeno lance de escadas que levava a uma grande porta dupla de madeira. Eu já havia visitado este local várias vezes, mas nunca deixava de me encantar com a beleza da arquitetura. As portas pesadas de madeira, as paredes robustas de tijolos pintadas em tom pastel, as janelas em formato de arco, e a data de 1917 no beiral da fachada denunciavam o estilo neocolonial empregado ali. Durante as minhas visitas, descobri que o edifício fora construído como sede do governo da cidade. Contudo, com o passar do tempo, tornou-se incapaz de suportar todos os trabalhadores, e uma nova sede foi construída. Após anos de abandono, o prédio foi restaurado e transformado em orfanato, quase três décadas atrás.
Assim que entrei, dirigi-me ao balcão de atendimento onde fui atendida por uma mulher familiar.
“Bom dia, senhora. Nós estávamos esperando por você. A senhora veio para finalizar o processo de adoção, certo?”
“Bom dia, Fernanda! Sim, é exatamente esse o motivo!” respondi, com um sorriso.
“Perfeito! Por favor, venha comigo. Vou te levar até o escritório do Pereira.”
Segui Fernanda pelos corredores da ala esquerda, subindo algumas escadas até o primeiro andar. Essa não era a minha primeira vez conversando com o Pereira, um dos responsáveis pelo processo de adoção, mas, mesmo assim, eu me sentia extremamente nervosa. A cada passo, meu coração batia mais forte, a respiração oscilava e minhas mãos começavam a tremer. Sabia que uma crise de ansiedade se aproximava, algo que temia que pudesse ocorrer hoje.
“Fernanda?” chamei, tentando manter a voz firme.
“Sim?” ela respondeu prontamente.
“Preciso ir ao banheiro antes de tudo. Onde fica?” tentei disfarçar o nervosismo, mas acredito que ela tenha percebido.
“Ah, claro! É naquela porta atrás de você.” ela indicou com um sorriso no rosto.
“Muito obrigada! Volto em um instante!” disse com a voz cada vez mais trêmula.
“Não tenha pressa! Enquanto isso, irei avisar ao Pereira sobre a sua chegada.”
“Ótimo, assim que eu terminar, sigo até o escritório dele. Sei onde fica.” respondi apressada.
No banheiro, tranquei-me dentro de uma cabine e sentei no vaso. Com ambas as mãos puxando os cabelos, fechei os olhos, tentando desesperadamente me acalmar. Mas não consegui. Meu coração disparava, e logo comecei a hiperventilar. Minha mente foi invadida por pensamentos intrusivos, enquanto o suor frio escorria pelas têmporas. Era uma sensação familiar, algo que não sentia desde a morte do meu marido.
“Será que ele vai querer ser adotado? E se ele não gostar de mim? A minha filha vai conseguir se adaptar ao novo irmão? E se eu não gostar dele? E se eu acabar traumatizando o garoto? Como vou fazer com que ele se sinta parte da família?”
Minha respiração ficou mais rápida, e meus dedos tremiam. “E na escola? Será que ele vai fazer amigos? Ou será excluído por ser adotado?”
E então, o pior pensamento me atingiu. “E se... ele tiver medo de mim?” A ideia me assombrava. “Nós somos tão maiores que a raça dele... deve ser assustador para um garotinho. Quero que ele se sinta parte da família, não quero que ele viva aterrorizado porque a mãe e a irmã são gigantes!”
“Calma!” gritei mentalmente, tentando respirar fundo. “Quando você perdeu o marido, pensou as mesmas coisas, se não piores! E ainda assim, conseguiu criar a sua filha!”
Apesar da respiração ofegante e das mãos trêmulas, consegui respirar fundo algumas vezes. Aos poucos, fui me acalmando. "Lembre-se do motivo pelo qual está aqui. Você e seu marido queriam dois filhos, mas ele se foi antes de concretizar esse sonho. Então, decidiu adotar uma criança e amá-la de forma incondicional! Não importava a raça, personalidade ou gostos!” Eu repetia essas palavras mentalmente, focando no propósito maior.
Com um último suspiro profundo, voltei ao normal e disse a mim mesma em voz alta: “Você consegue.” Levantei-me, lavei o rosto, sentindo o frio da água como um alívio instantâneo, e saí do banheiro.
Do lado de fora, a porta do escritório de Pereira estava aberta, e Fernanda estava parada ao lado, observando-me com um sorriso encorajador, como se dissesse: “Venha!”
Tomei um gole de água em um bebedouro que se encontrava na frente do banheiro, ajeitei as minhas roupas e segui em direção a porta aberta. Fernanda a fechou atrás de mim, deixando-me a sós com Pereira. Ao me ver, ele se levantou prontamente e estendeu a mão com um sorriso acolhedor.
“Seja bem-vinda!”
Story Notes:
Essa é a minha primeira história! Espero que gostem!
Estou aberto a sugestões e críticas construtivas.
Author's Chapter Notes:
O prólogo será mais curto que os demais capítulos. A ideia aqui é introduzir o leitor ao contexto geral.